segunda-feira, 28 de junho de 2010

CONICRACK - Congresso Internacional Crack e Outras Drogas: um debate social que se impõe


A exemplo de diversos Estados brasileiros, no Rio Grande do Sul, o uso abusivo de drogas vem sendo pautado como fator desencadeador do agravamento da violência em todos os grupos sociais e territórios, sejam urbanos ou rurais. Somam-se a isso avaliações empíricas de uma avassaladora dependência da droga, em especial, por crianças e jovens, cujo tratamento ainda é um desafio para especialistas do mundo inteiro.

Neste contexto, o tratamento dispensado ao problema, requer o conhecimento sobre suas reais dimensões, para que seja possível o seu enfrentamento. Destarte, importante conceber o debate acerca do uso do crack na atualidade como questão fundamental para a segurança pública, tendo em vista suas conseqüências na alteração do perfil da violência e do crime organizado.

Diante de tais aspectos, a Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e a Associação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (AMP/RS), com apoio da Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS) estarão realizando em Porto Alegre, de 7 a 9 de julho,o “Congresso Internacional - Crack e outras Drogas” com o tema:“Um debate social que se impõe”.

Outras informações no site do  CONICRACK.

sábado, 19 de junho de 2010

Adeus a José Saramago


Neste mesmo blog já postei alguns ditos de Saramago, por quem sempre nutri admiração imensa. Sua morrte me faz triste, pois perde-se um homem de grandes idéias, e coragem para dizê-las, e sempre de forma magnífica. Foi consagrado com o Prêmio Nobel de Literatura - único escritor de língua portuguesa a receber o título.
Em homenagem ao escritor, abaixo transcrevo seu discurso proferido no Palácio Real de Estocolmo, em 1988, ano em que se completava 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos, daí porque o escritor lusitano foi tão enfático em suas palavras:

"Cumpriram-se hoje exactamente 50 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circunstâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esses actos comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.

Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.

Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.

Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam portanto."

José Saramago

Estocolmo, 10 de Dezembro, 1998



Para conhecer um pouco mais do escritor, o seu blog:
http://caderno.josesaramago.org/

A seguir fotografias do escritor que encontrei no blog da Companhia das Letras - http://www.blogdacompanhia.com.br/.


Que alegria a minha a ver fotos de meu amado Jorge Amado junto de Saramago. E ainda Caetano, de quem gosto tanto.


José Saramago e Jorge Amado na casa de Caetano Veloso (ao fundo).



Acima e abaixo: Jorge Amado e José Saramago na Bahia. (Fotos por Zelia Gattai, Acervo de Casa de Jorge Amado)


Jorge Amado e José Saramago na casa de Calazans, em 1996. (Fundação Casa de Jorge Amado)



Zelia Gattai, Jorge Amado e José Saramago na casa de Caetano Veloso, em 1996. (Fundação Casa de Jorge Amado)



Caetano Veloso, José Saramago e Jorge Amado na casa do cantor, em 1996. (Fundação Casa de Jorge Amado)



Adeus Saramago.

terça-feira, 15 de junho de 2010

PALESTRAS





Agora começou pra valer outro eixo do projeto, que eu particularmente considero o mais importante: o da prevenção.
Com palestras dirigidas aos pais e também aos adolescentes, dei início, na semana que passou, a uma campanha de conscientização quanto à importância da presença do pai na vida dos filhos.
Inspirada  no projeto do colega Promotor de Justiça Charles Emil Machado Martins, com sua campanha "Pai:Presente!", sucesso em São Sebastião do Caí, e também baseada no trabalho do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, cuja palestra assisti há algum tempo, na internet, intitulada "Drogas e Violência na Adolescência: onde está o Pai?" com uma abordagem fantástica sobre a importância da função paterna, estruturei uma abordagem para conscientizar os pais acerca da importância da participação dos pais - biológicos ou afetivos - na vida de seus filhos, especialmente na vida escolar, interagindo com os professores, impondo limites e incentivando os filhos.
Quanto aos adolescentes, o objetivo foi mostrar o potencial destrutivo das drogas, demonstrando a eles que a liberdade é o bem maior em xeque - haja vista que a dependência química leva à adicção, termo sinônimo de escravidão. Um vídeo contendo reportagens e depoimentos de viciados em crack foi mostrado aos alunos, causando impacto e reflexão. Tendo informação sobre o real efeito das drogas, os adolescentes são livres para fazer a melhor escolha para o seu futuro.
Durante a palestra, houve ainda um "sorteio" das camisetas da campanha da AMPRS - "Crack: Ignorar é o seu vício?", aos alunos que soubessem determinada resposta, e se dispusessem a respondê-la no microfone.
Foi um sucesso!
Eu, pelo menos, amei.


DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!


Espelho Mágico - Mário Quintana

O engajamento da comunidade evangélica no projeto SÃO GABRIEL CONTRA O CRIME


A UMADSG - União da Mocidade da Assembléia de Deus de São Gabriel - se mobilizou na luta contra as drogas, promovendo uma blitz no entorno da Praça Fernando Abbot, entregando panfletos que alertavam sobre os efeitos do crack.
Uma sociedade engajada, que busca apoiar os projetos existentes para o combate à criminalidade, parece ser uma sociedade que não se rende à crescente violência e, por isso, não vai se deixar dominar pelo tráfico, não vai perder seus jovens para as drogas.
Não pude prestigiar, pessoalmente, o evento, em razão de compromissos pessoais. Mas deixo no blog o meu apreço a essas iniciativas, que fazem a diferença. São esses sonhadores, que sonham juntos uma sociedade melhor, e mobilizam-se por ela, que podem realmente transformar a realidade.
Para arrematar, uma citação do escritor Eduardo Galeano:

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".





sábado, 5 de junho de 2010

Maconha: o que os pais precisam saber


“Uso de maconha por adolescente tem impactos psicológicos, biológicos, sociais e legais que levam ao comprometimento do desenvolvimento do futuro adulto”. Afirmação do especialista em dependência química Sérgio de Paula Ramos* em “Maconha e Desenvolvimento Escolar”.

O psiquiatra, que já participou de várias comissões no Ministério da Saúde e na Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul descreve os riscos da maconha:

-pesquisas mostram que o uso de maconha experimentalmente tende a levar ao uso regular; grande parte dos fumam apresentam dificuldade para interromper o uso e acabam desenvolvendo dependência;

-maconha favorece o uso de outras drogas;

-maconha prejudica memória, atenção, tempo de resposta imediata, controle motor durante o período de intoxicação que pode durar várias horas; há pesquisas que revelam efeitos da maconha prejudicando as funções cognitivas por até 7 dias após o uso ;

-pesquisas mostram que estudantes que fumam maconha tem 38% mais chance de abandonarem a escola antes de concluírem os estudos do que aqueles que não usaram;

- uso precoce de maconha aumenta as chances de adolescentes adotarem um estilo de vida não-convencional, ou seja, se desengajarem de papéis convencionais como completar educação formal, arrumar emprego, participar de práticas religiosas e esportivas;

-eliminar o uso de maconha poderia reduzir a incidência de esquizofrenia em 8%;

-pesquisas nos Estados Unidos, na Holanda e na Austrália revelam taxas 2 vezes mais altas de maconha em pessoas com esquizofrenia;

-estudo sueco com jovens de 18 a 20 anos , no Exército, constatou que os que usaram maconha mais de 50 vezes possuíam 6,7 vezes mais chances de desenvolver esquizofrenia 27 anos mais tarde;

-quanto mais cedo a exposição à maconha, mais intenso é o seu uso e , portanto, maiores as chances de episódios psicóticos ocorrerem;

-estudo realizado durante 15 anos, constatou que usar maconha na adolescência quadruplica as chances de desenvolver depressão na fase adulta (Bovasso, G.B:Cannabis abuse as a risk factor for depressive symptoms. American Journal of Psychiatry , 158 : 12, pp. 2033-37 );

-o uso de maconha aos 18 anos aumenta a probabilidade de desenvolver algum transtorno mental aos 21;

- o consumo de maconha reduz a velocidade percepto-motora, a precisão de movimentos e a exatidão , habilidades fundamentais na direção (Kurzthaler,1999). Também jovens que estão dirigindo sob influência de maconha apresentam maior probabilidade de sentirem sono, dirigirem em alta velocidade e de estarem dirigindo sem cinto de segurança (Ramaekers, 2004) achados confirmados por Blows et al (2005). No Brasil não encontramos estudos que relacionam acidentes de trânsito e uso de maconha que tenham significância estatística. Parece que o consumo de maconha ainda não é percebido como problema por nossas autoridades, deixando evidente que essa área precisa ser mais bem estudada;

-quanto maior a frequência do uso de maconha e quanto mais cedo o uso, maiores as chances de estar associado a crimes e tentativas de suicídio;

Leia mais em:

_maconha/Maconha_e_desenvolvimento_escolar.pdf


Sergio de Paula Ramos:

Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1973), especialização em Psiquiatria pela Clínica Pinel de Porto Alegre (1975) e doutorado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (2003). Organizador e coordenador do Serviço de Alcoolismo da Clínica Pinel até 1982. Organizador e atual coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus. Fundador do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre o Álcool e o Alcoolismo (GRINEAA), da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e o Alcoolismo (ABEAA) – que presidiu de 1989 a 91 – e da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas (ABEAD) – que presidiu de 2005 a 07. Possui larga experiência clínica na área da dependência química e, por isso, é convidado para dar supervisões em inúmeros serviços pelo pais, bem como várias conferências por ano sobre a matéria, em congressos da especialidade. Membro do Conselho Federal de Entorpecentes (1984 a 88) e de várias comissões de assessorias no Ministério da Saúde e na Secretaria da Saúde do RS.


falando com viciados em crack - reportagem do kzuka

Os malefícios do crack




Kzuka na Zero Hora 08/05/2009 - Marcela Donini





Não dê o start



Dois jovens em recuperação contam sobre os riscos de depender do crack



Imagine que você tem uma vida extra. Você poderia extrapolar todos seus limites e recomeçar tudo, com moderação. Só que você não é personagem de videogame. Os estudantes Ana* e Fábio* descobriram isso a tempo. Pararam de usar crack antes do jogo terminar. Aluna de colégio particular da Capital, ela está há cinco meses limpa. Ele estuda em colégio público e está internado há 15 dias, em uma clínica de Porto Alegre. Os dois aceitaram responder a perguntas do Kzuka, por e-mail, para contar por que não vale a pena entrar nessa.


Kzuka – Quando você experimentou o crack, tinha noção do seu alto poder de destruição?



Ana* – Sim, quando experimentei, todo mundo dizia isso, mas não levei muito em conta. Hoje, acho que até contou ser uma droga com mais poder de destruição, assim, eu seria mais eu. “Comigo o bicho não pega”, pensei.

Fábio* – Quando usei pela primeira vez, eu não sabia que fazia tão mal. Quando fui perceber, já estava viciado. Daí, fui saber a quantidade de porcaria que tem na pedra, gasolina, esmalte, cimento...



Kzuka – Como a droga lhe foi apresentada? Seus amigos usam ou usavam?



Ana* – Eu tinha bebido e tava de olho no guri que me apresentou. Acho que isso diz tudo.

Fábio* – Fumava maconha diariamente. Um dia, resolvi misturar com a pedra porque me disseram que era melhor. Estava na casa de um amigo e saí para comprar. Virou diário o uso, fora de controle. Quase todos meus amigos usam, mas fumo sozinho. Eles ficam na rua, eu não. Acho que é por vergonha, medo de que meu pai me pegasse ou soubessem que eu era um drogado.



Kzuka – Quando você experimentou drogas pela primeira vez? E álcool?



Ana* – Álcool com 12 ou 13. Maconha com 15. Aos 15 e 16, eu mandava ver cerveja nas festas.

Fábio* – O crack eu comecei em 2008, mas, o álcool foi há muito tempo, aos 11 anos. O primeiro porre foi aos 14 anos.



Kzuka– Como você se sente hoje?



Ana* – Hoje, sei que poderia ter perdido o trem da vida. A sorte esteve do meu lado. Tô viva. Fisicamente, tô recuperada. Psicologicamente, ainda é difícil. Quando bate a fissura, ninguém me aguenta.

Fábio* – Quando eu usava a droga, me sentia bem. Resolvi um monte de problemas, me sentia legal. Depois, eu fiquei muito mal, muito fraco, comecei a destruir a família, eu mesmo. Agora que eu tô me tratando, tô me sentindo muito melhor, me recuperando.



Kzuka – Como estão os estudos, chegou a interrompê-los? No colégio, sabem da sua situação?


Ana* – Atrasei a 3ª série do Ensino Médio, ano que usei crack. Matava muita aula no final, mas, este ano, sei que vou passar. Se meus pais não tivessem contado na escola sobre o crack, acho que só saberiam que eu usei drogas, e até aí, muita gente usa. Meus pais “botaram na roda”. Fiquei muito revoltada. Agora, acho que foi bom.

Fábio* – Eu não interrompi os estudos, só agora para me tratar. Mas piorei muito na escola. Quando usava drogas, as notas baixaram, não queria estudar. A escola sabe que eu tô me tratando, porque o pai levou um atestado, mas só alguns amigos meus sabem.



Kzuka – Como se deu o início do tratamento?



Ana* – Meus pais me levaram nuns quantos psicólogos e eu não aceitava. Diziam que era pra me internar à força. Como a Amy Winehouse, eu dizia “No, no and no”. Um amigo me levou pro grupo de Narcóticos Anônimos e deu certo.

Fábio* – Minha mãe me aconselhou. Depois que eles souberam, conversaram comigo, daí eu pensei bastante e resolvi me internar.



Kzuka – Como seus pais ficaram sabendo que você usava a droga?



Ana* – Meus pais dizem que foi um telefonema anônimo, mas eu negava, negava, negava. Até que não deu mais pra negar...

Fábio* – Eu escondia deles. Quando eu tava usando maconha, eles souberam por causa do cheiro e dos olhos vermelhos. Com o crack, começou a sumir coisas de casa. Eu tava levando dinheiro, calçados, roupa.



Kzuka – O que diria para jovens da sua idade que nunca experimentaram crack? E para quem usa outras drogas e bebe exageradamente nas festas?


Ana* – Nunca cheguem nessa parada. Atrasa tudo. Atrasa a vida. A ceva ou outra bebida com álcool qualquer é uma roubada. Teria muito pra dizer, mas cada um cuida ou descuida da sua própria vida.

Fábio* – Eu diria que não é bom. Pensem duas vezes antes de usar. O cara perde o controle, pode achar que é forte, mas sempre perde o controle, destrói a pessoa, a família. A droga é muito ruim. Quando tu usa uma droga por bastante tempo, tu quer usar outra. Então, não usem nenhuma droga. Tu não precisas encher a cara para curtir uma festa, se consegue fazer isso numa boa.



*Os nomes foram alterados para presevar a identidade dos jovens

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Se sua vida fosse um jogo e você se deparasse com o crack, veja como poderia ser



Start

Poucos começam no crack sem ter antes experimentado outras drogas, como maconha ou cocaína. Quem fuma um baseado de vez em quando e acha que está tudo bem, que a droga é inofensiva, está enganado. A verdade é que a maconha causa danos no cérebro, como perda de memória e dificuldade de expressão. Antes ainda, o exagero no álcool pode ser o primeiro passo da gurizada no mundo das drogas.



A experimentação

Para ser considerado dependente químico, o usuário precisa apresentar uma crise de abstinência. Isso pode acontecer a partir da primeira vez, se mais de uma pedra for fumada. Normalmente, a droga é apresentada por amigos e atrai pelo baixo preço (uma pedra custa em torno de R$ 5). Antes de o usuário perceber, já está cometendo pequenos delitos, em casa e nas ruas, para sustentar seu vício.



O tratamento

Apoio familiar e força de vontade do paciente são fundamentais. Após a internação, é feita uma avaliação e tratamento com remédios – pra controlar a fissura – e psicoterápico individual ou em grupos, utilizando técnicas que desenvolvem estratégias de enfrentamento em situações de risco, como festas com uso de drogas.



* Bônus

Você pode se tratar corretamente, tomando remédios e frequentando grupos de ajuda e seguir sua vida normalmente. Ou passar para a próxima fase...



A recaída

Diferentemente dos bonequinhos de videogame, você tem apenas uma vida. Sim, já dissemos isso antes, mas, às vezes, parece que é preciso lembrar. Não existem números oficiais, mas especialistas afirmam que o índice de recuperação é baixo, e as recaídas são frequentes entre os pacientes que deixam as clínicas. Voltar a andar com as mesmas pessoas é uma roubada.



Game over

Quanto mais o usuário fuma, mais precisa para se satisfazer. Se você chegou aqui, dificilmente, vai sair... É triste, mas é real. Muita gente morre por causa da droga. Diretamente, pelos danos causados no organismo, ou indiretamente, como em conflitos com a polícia, brigas entre gangues e cobrança de traficantes. A pedra joga o adolescente em um universo de violência do qual é difícil sair vivo.

Crack: Abra o olho!





* 66% dos adolescentes dependentes químicos (drogas e álcool) têm outra doença associada, como depressão ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH);


* Há 4 anos, não havia nenhum usuário de crack hospitalizado no Hospital Mãe de Deus, na Capital. Hoje, eles ocupam 40% dos leitos;


* Em um ano, 52% dos meninos viciados em crack que vivem nas ruas de São Paulo entrevistados pela Unifesp morreram;






Ciclos


Segundo o National Institute on Drug Abuse, dos Estados Unidos, a cada 15 ou 20 anos, fecham-se ciclos da droga “da moda”. Isso vale para o mundo inteiro. Dê uma olhada no que rolou nos últimos 40 anos.


Anos 60 e 70 : O barato era “viajar”. Maconha e ácido lisérgico (LSD) eram os preferidos dos jovens.


Anos 80: Nessa época, a galera queria “se ligar”. Os estimulantes da vez eram anfetamina e cocaína.


Anos 90 e 2000: Continuamos em uma fase em que os estimulantes estão em alta entre a galera. Hoje, o crack (uma versão da cocaína) e o ecstasy se popularizaram.






Fontes consultadas: Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra coordenador da unidade de dependência química do Hospital Mãe de Deus, na Capital, e José Fernando Aidikaitis Previdelli, psicólogo da Clínica São José e do Hospital São Pedro, na Capital


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Crack não é mais uma droga "chinela": especialista diz que risco chegou à classe A



Psiquiatra diz que a pedra já se espalhou pelos colégios particulares da Capital



Ramos é coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus Foto: Dulce Helfer/BD Zero Hora

A pedra de crack custa cerca de R$ 5. Por causa desse preço, considerado barato no mundo das drogas, a pedra ficou com fama de ser uma droga utilizada apenas pelas classes menos favorecidas. Foram esses jovens que começaram a utilizá-la, mas isso mudou. "Hoje a pedra não é mais uma droga 'chinela', como se diz na gíria", avisa o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos. Ele é coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e outras Drogas.



Nesta entrevista para o Kzuka, o médico explica por que o crack atrai cada vez mais usuários e enfatiza a necessidade de prevenção. Acompanhe trechos do bate papo.



Kzuka – Quando o crack chegou ao Rio Grande do Sul?

Sérgio de Paula Ramos – Há seis ou sete anos, na região serrana. A primeira cidade onde se registrou a droga foi Caxias do Sul. Quando desceu para Porto Alegre, há quatro ou cinco anos, já era fonte de preocupação local.



Kzuka – É possível traçar um perfil entre os usuários?

Ramos – A maioria são jovens que começaram muito cedo no álcool. E do álcool foram para outras drogas, como a “maconhazinha” no colégio, percebida como droga inofensiva. Muitos pais desavisados me dizem “felizmente, meu filho só está na maconha”. Só que depois, ele cai na cocaína e segue a escalada das drogas até o crack. Hoje a pedra não é mais uma droga “chinela”, como se diz na gíria. Está em todas escolas particulares.



Kzuka – Por que o crack atrai cada vez mais usuários?

Ramos – É mais barato que a cocaína e o “barato” é maior. No Rio, os traficantes seguraram o quanto deu porque perceberam que o cliente não dura, já que o poder de destruição do crack é muito alto. Isso ocorreu lá porque o tráfico é mais organizado. Em Porto Alegre, o crack veio com tudo. O jovem necessita correr riscos, por isso procura esse “desafio”. Não adianta bater na droga e ficar repetindo que “não pode, não pode”. É como criança... Às vezes, o tiro saiu pela culatra...



Kzuka – O que funciona, então, no trabalho de prevenção direcionado ao jovem?

Ramos – Trabalho há 30 anos em prevenção em escolas e vejo medidas que funcionam. O colégio tem de ser visto como uma segunda oportunidade para o estudante. Se os pais são ausentes, o jovem pode encontrar no professor predicados como carisma etc. O colégio também deve diminuir a distância entre pais e filhos. Atrair os pais para dentro da instituição. Em vez de ficar batendo na droga, é preciso valorizar a vida. Dar instrumentos ao jovem para enfrentar situações estressantes, nas quais ele buscaria refúgio no álcool ou nas drogas. Por exemplo, se ele é muito tímido, pode começar a beber para chegar nas meninas. Simulamos situações como festas e desenvolvemos sua habilidade social.

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Tratamento exige que jovem mude seus grupos de amigos, diz psicólogo



Especialista diz que escalada no uso de drogas mudou





O psicólogo José Fernando Aidikaitis Previdelli, que trabalha na Clínica São José com reabilitação de dependentes químicos, em Porto Alegre, convive no dia-a-dia com a galera que acabou se envolvendo com drogas. Nesta entrevista para o Kzuka, ele fala que a escalada no uso dessas substâncias mudou: hoje, em vez de seguir os ciclos tradicionais de passar do álcool para a maconha e daí para coisas mais pesadas, tem gente que começa a se drogar direto com crack.



Previdelli conta que a droga não é exclusividade das classes menos privilegiadas e que a recuperação de dependentes é difícil pois as recaídas são muito comuns. Para ficar "limpo", o jovem terá que mudar os grupos de amigos com quem anda. Confira o bate-papo



Kzuka – Como o jovem chega no crack?



José Fernando Aidikaitis Previdelli – A escalada do uso da droga tem mudado. Hoje já temos pacientes iniciando na cocaína e no crack, embora sejam minoria. Normalmente, começam com álcool e maconha. Trabalho no (Hospital) São Pedro também. Lá tem crianças de oito anos com crack, ou seja, já estão começando direto no crack. São pacientes de classe social mais baixa, em condição de rua.



Kzuka – É possível apontar as causam que o levam à droga?



Previdelli – O pai e a mãe estão cada vez mais ausentes, principalmente a figura masculina, e muitos passam a responsabilidade para a escola. Nas classes mais altas, se percebe a falta de limites por parte dos pais ainda na infância. Na adolescência, é normal que o filho rompa os limites impostos pela família, como tirar boas notas, arrumar a cama, ter horário para voltar de festas, coisas simples, que possam ser recuperadas. Se o adolescente não tem esses limites em casa, ele vai transgredir algo imposto pela sociedade.



Kzuka - Como o crack chegou em classes mais altas?



Previdelli – Uma pedra custa R$ 5. Por isso, facilitou a disseminação em classes mais baixas, inicialmente. O que se observa nas classes mais altas é que é que usam o crack por transgressão, pois normalmente começam na cocaína. O usuário de classe mais baixa usa como fuga de realidade.



Kzuka – Como se dá o tratamento de recuperação do dependente de crack?



Previdelli – Não se tem muitos estudos sobre o crack. É uma droga relativamente nova, cujo uso se iniciou nos anos 80 nos Estados Unidos e, no máximo, há uns 10 anos chegou ao Brasil. A recuperação é difícil, o índice de recaída é bem alto. É preciso o apoio familiar e força de vontade do paciente. Depois da internação, o paciente recebe avaliação, tratamento farmacológico (pra controlar a fissura), e psicoterápico individual, familiar ou em grupos, onde desenvolve habilidades e estratégias de enfrentamento e autocontrole em situações de risco, como festa onde há uso de drogas.



Kzuka – Existe um período ideal para internação?



Previdelli – Não há consenso sobre o período de internação ideal. Quem interna pela prefeitura fica somente 20 dias, um período curto. Por senso comum, se sabe que 30 dias é o mínimo. Depois da alta, nos prontificamos até 90 dias a acompanhar o paciente. Há fazendas terapêuticas em que se pode ficar até nove meses. O adolescente tem uma dificuldade natural da fase em que está em planejar o futuro. Se tu falares em nove meses, para ele, é a vida inteira... É difícil colocar um parâmetro. Tem quem saiu e nunca mais usou a droga.



Kzuka - Depois do tratamento, é possível voltar a viver normalmente?



Previdelli - Um paciente vai ser dependente químico pro resto da vida, mas em abstinência. Tem que seguir o tratamento,é uma batalha. Há chances de se tratar, claro. Mas tem que haver uma série de mudanças. Tem de mudar os grupos com que anda. O estudo é algo interessante de ser trabalhado, há um consenso na classe científica de que o estudo é uma das coisas que afasta das drogas. Não só faculdade ou colégio, mas o estudo por conhecimento. Falta muito informação pra gurizada. Eles não têm essa noção, é uma droga. O complicado do crack é que, por si só, ele pode matar, vai atacar o Sistema Nervoso Central, mas o que mais mata é o contexto.

Entrevistas com o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos sobre a epidemia do crack

Já faz algum tempo que admiro o trabalho do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, desde que assisti, no site da ONG Brasil Sem Grades, a uma palestra sua, a qual inspirou parte do projeto São Gabriel Contra o Crime.

Hoje, procurando por números atualizados acerca dessa epidemia mortal, encontrei uma reportagem antiga mas ainda pertinente, do Jornal do Almoço, sobre o tema, que colaciono a seguir:



E também, a seguinte entrevista , com o citado médico, a qual transcrevo porque entendo muito relevante a todos que buscam entender a dinâmica do crack:
"Crack: uma epidemia que tomou conta do RS. Entrevista especial com Sérgio Ramos

Há quase 20 anos, Sérgio Ramos atende dependentes químicos. Com ampla experiência no assunto, vem sendo desafiado, nos últimos cinco anos, pela entrada do crack no Rio Grande do Sul. Assistiu ao crescimento do uso até se tornar no que chama hoje de epidemia do crack. “Em geral, todo dependente de droga, na cultura brasileira, começa com álcool. No entanto, o crack é uma droga tão anarquizante e ressonante que nós temos tido relatos de crianças, principalmente de favelas, que nunca experimentaram álcool na vida e vão direto para o crack”, relatou ele.

Dr. Sérgio nos revela como o crack, que origina da cocaína, age no corpo humano e por que ele torna os usuários dependentes de forma tão rápida. Além disso, Ramos fala como ele entrou no estado e quando foi considerado uma epidemia. “Nossas taxas de recuperação são baixas, em função de ser um problema novo e, por isso, ainda não desenvolvemos técnicas específicas. A grande jogada é a prevenção”, revelou.


Sérgio de Paula Ramos é doutor em Medicina, pela Universidade Federal de São Paulo, e especialista em em Dependência Química, Reutgers University, e em Psiquiatria, pelo Instituto Nacional de Previdência Social. Faz parte da Associação Brasileira de Psicanálise, da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas. É, atualmente, diretor do Serviço de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus

Confira a entrevista.


Como o crack age no corpo humano?

Sérgio Ramos – O crack é uma forma de cocaína, então precisamos entender como ela age no corpo humano. Sua preferência é pela ação neuroquímica (agindo no cérebro, portanto), como uma droga estimulante, trabalhando nos mecanismos cerebrais hormonais. Ao modificar o metabolismo cerebral, produz o efeito euforizante da droga. Quanto mais rápida for a sua absorção, mais será pronunciado o seu efeito e o poder dependógino. Temos a cocaína aspirada, a injetada, e a cocaína fumada, que no caso é o crack, a forma mais potente de todas.

Geralmente, o usuário de crack começa como e por quais motivos?

Sérgio Ramos – Em geral, todo dependente de droga, na cultura brasileira, começa com álcool. No entanto, o crack é uma droga tão anarquizante e ressonante que nós temos tido relatos de crianças, principalmente de favelas, que nunca experimentaram álcool na vida e vão direto para o crack. Isso ainda é uma coisa excepcional. A regra ainda é o adolescente que começa com a bebida alcoólica numa fase em que não tem “cérebro” ainda para decidir as coisas. Com alguma frequência, do álcool ele evolui para maconha, passa para a cocaína aspirada e, então, para o crack. Este percurso, conhecido com a escalada da droga, não acontece em todos os casos. De qualquer modo, é muito raro você conhecer um fumante de crack cuja primeira droga na vida não tenha sido o álcool. Dessa observação, redunda um fato importante: a possibilidade de prevenção.

Enquanto todos estão apavorados com a epidemia de crack, nos perguntando como evitá-la, precisamos saber que a melhor forma de prevenção é construir uma política responsável sobre o consumo de álcool. Ou seja, o desejável seria lutarmos pela erradicação do consumo de álcool de menores de idade. Esta seria uma forma muito produtiva de se prevenir o consumo de crack.

O que explica a expansão do número de usuários de crack no Rio Grande do Sul? O que está acontecendo no estado pode ser considerado uma epidemia?

Sérgio Ramos – O crack é barato, disponível e tem alto caráter dependógino. O cenário que estamos vendo aqui no Rio Grande do Sul já assistimos há algum tempo em São Paulo. Ele está se tornando uma realidade nacional por causa dessas peculiaridades, ou seja, é uma droga barata, disponível e torna rapidamente o usuário em dependente.

Sem dúvida, no Rio Grande do Sul, o crack assumiu um caráter epidêmico. Não tínhamos, há cinco, seis anos, seu consumo no estado e hoje temos uma explosão de usuários, o que pode caracterizar uma epidemia.

Onde o problema se concentra no Rio Grande do Sul?

Sérgio Ramos – O crack entrou no Rio Grande do Sul pela região serrana, especialmente por Caxias do Sul, há uns seis anos, depois se espalhou pelo estado e chegou a Porto Alegre já há uns quatro ou cinco anos. Precisamos reunir grandes esforços no sentido de tentar fazer um modelo de prevenção e, ao mesmo tempo, tratar os casos já identificados.


Para o senhor, que atende dependentes químicos, como o crack deixou de ser a droga dos pobres e passou a ser consumido também pelas elites?

Sérgio Ramos – A elite quando chega no crack já está “alterada” por anos de consumo de outras drogas. Mesmo uma pessoa de classe alta econômica, ao se envolver com cocaína, em pouco tempo está sem dinheiro para seu status social e, desta forma, busca uma droga com representação mais barata. É o que está acontecendo.

O senhor vê impacto do aumento do uso de crack sobre a violência no estado?

Sérgio Ramos – Total. A violência no estado, que já era fortemente associada a drogas, especialmente ao álcool, ganhou uma grande alavancagem com a chegada do crack. Este, como disse, é uma droga que facilmente torna o usuário dependente e gera uma necessidade de consumo a cada 30 minutos. Mesmo sendo barata, ela depaupera tanto o usuário, que gera a necessita do furto, do roubo, do furto qualificado, e assim por diante. O incremento de violência no estado está diretamente ligado à epidemia de crack, embora já fosse alto por causa do álcool.

Erradicar é muito difícil, combater lembra muito guerra. Devemos aprender que um incêndio se apaga na primeira fagulha e não quando o prédio já está em chamas. A primeira fagulha na história de um usuário de crack é o consumo indevido em tenra idade de bebidas alcoólicas. Estamos carentes – reafirmo – de uma política responsável sobre o álcool. O foco dessa política deveria ser a erradicação do consumo de bebida alcoólica por menor de idade.


É mesmo muito difícil recuperar um viciado em crack? Por quê?

Sérgio Ramos – É. Nossas taxas de recuperação são baixas, em função de ser um problema novo e, por isso, ainda não desenvolvemos técnicas específicas. A grande jogada é a prevenção. Eu, como coordenador da unidade de dependências química do Hospital Mãe de Deus, tenho tido acesso aos dependentes de crack da classe média e da classe alta. Agora que o Sistema de Saúde Mãe de Deus está inaugurando uma parceria público-privada com a prefeitura de Porto Alegre, nós abriremos três centros de assistência psicossocial especializados em álcool e drogas e também passaremos a atender pacientes da classe C e D. Os pacientes que, por enquanto, tenho tratado, das classes média e alta, têm o perfil totalmente alterado pela sua dependência química. O caso que tivemos recentemente aqui no estado, do rapaz que foi assassinado pela mãe, é um caso extremado de um panorama dramático que vemos cotidianamente em quadros clínicos de crack. Há mães querendo amarrar o filho na cama, pais desesperados; enfim, é uma situação verdadeiramente dramática.

A dependência de crack pode acontecer em qualquer família, basta que o rapaz ou a moça comece a usar droga. No entanto, temos encontrado maior presença do crack em famílias desajustadas e temos achado um denominador comum o fato de que as famílias que mais geram dependentes de crack são aquelas que têm comprometida a função paterna. São jovens, em geral, que não tiveram pai ou tiveram pai muito ausente ou omisso. Esse é um cenário onde o crack costuma aparecer.


Diante dessa situação, como o senhor se sente, como médico?Sérgio Ramos – Desafiado. Existe algo acontecendo: essa epidemia de crack, juntamente com a epidemia da febre amarela e a gripe suína. Ou seja, os médicos estão desafiados por novas realidades. E há uma grande convocação por parte da sociedade para o enfrentamento delas."

E também a seguinte entrevista publicada em Zero Hora, em 14 de abril de 2009:



Drogas - “É baixa a taxa de recuperação”


Zero Hora - RS - 14/04/09



"Com 35 anos de experiência, o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, defende a “erradicação do consumo de álcool entre adolescentes” como forma de combater a epidemia de crack.

– Nunca tratei um paciente, independentemente de crack, cocaína, maconha, que a primeira droga na vida dele não tenha sido álcool – diz, em entrevista concedida a ZH:

Zero Hora – O que representa uma mãe, desesperada, matar um filho?

Sérgio de Paula Ramos – É um marco. Tínhamos primeiro uma situação preocupante de consumo de álcool. Depois, que Porto Alegre era a capital brasileira onde os adolescentes mais consumiam maconha. Mais tarde, começou o uso de cocaína, ecstasy e surgiu o crack de forma avassaladora. Nós tínhamos a famosa foto da mãe algemando o seu filho no pé da cama. Agora, uma mãe matando seu filho por desespero. Vamos ter de decidir se ficamos debatendo o caso da mãe que matou o filho ou se pensamos o que está havendo com a nossa cidade, o nosso Estado, os nossos jovens.


ZH – O que que deve ser feito?

Ramos – Uma política responsável sobre álcool. Erradicar o consumo de bebida alcoólica por adolescentes. Devemos pegar como uma questão de honra de que, na minha cidade, menor de idade não bebe álcool.

ZH – Ele era dependente de crack. O que tem a ver o álcool?

Ramos – Pergunte para a família dele qual a primeira droga que ele ingeriu e com que idade. Fecho que é bebida alcoólica e com idade entre 12 anos e 15 anos. Com 35 anos de trabalho nesta área, nunca tratei um paciente, independentemente de crack, cocaína, maconha, que a primeira droga na vida dele não tenha sido álcool. Se você consegue adiar a iniciação ao álcool, reduz a taxa de alcoolismo e o envolvimento com outras drogas. Criaria um cenário urbano mais clean, menos droga. O segundo foco é a Lei Seca, cuja fiscalização deve ser retomada. Acho que poderá haver até um resgate da cidadania.

ZH – Por que uma coisa está encadeada na outra?

Ramos – Há muitas teorias para a escalada da droga. Existem pessoas que são atraídas parcialmente pelo desafio. O álcool me deu um barato, mas dizem que a maconha é melhor, então vou experimentar. Olha, o legal é a cocaína, o ecstasy, e acabam experimentando a cocaína. E, por fim, o crack.

ZH – Como o senhor avalia as políticas públicas no Estado voltadas ao combate dessa epidemia?

Ramos – Inexistem. Tenho assistido a tímidas iniciativas e a muito discurso. Você não consegue resolver uma epidemia de crack criando 500, 600, mil leitos. Os tratamentos para dependentes de crack graves são pouco eficazes e ninguém tem dinheiro para abrir tanto leito. Você tem de segurar o touro pelo chifre muito antes do crack entrar em cena.

ZH – O senhor conhece alguém que tenha se recuperado do vício do crack?

Ramos – Há dois anos, eu falei que não tinha recuperado ninguém. Hoje, recuperei uma meia dúzia. Mas é baixa a taxa de recuperação. É uma dependência química muito suscetível a recaídas."