terça-feira, 20 de outubro de 2009

Lançamento Oficial da Campanha - 8 de julho de 2009





Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.



Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?


As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.





A poesia de Maiakóviski, feita no contexto da revolução russa do século passado, parece ter sido elaborada na medida para os graves tempos que enfrentamos no nosso país, no nosso Estado, na nossa cidade, em que as notícias que brotam dos jornais cheiram a pólvora, e as mazelas sociais e as tragédias familiares geradas pelo crack tomam proporções alarmantes. Mas essas ameaças, havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, como diz o poeta. E é por isso que hoje nos reunimos aqui, para unirmos esforços nessa empreitada.


Porque é imprescindível a união de esforços, de todos os segmentos da sociedade, a fim de combater esse mal que é a drogadição, especialmente agora com a expansão do crack, essa droga tão mortal, que mudou completamente o panorama dos viciados e da violência que circunda o tráfico de drogas.

O crack não é só um problema de segurança pública, ou somente um problema de saúde. Ou, tampouco, trata-se exclusivamente de um problema social. Na verdade, todas essas áreas estão envolvidas e devem atuar conjuntamente para enfrentar esse mal.

O crack é considerado hoje a maior epidemia de saúde enfrentada pelo estado do Rio Grande do Sul. Dados oficiais demonstram que a Gripe “A”, que tanto amedrontou e ainda preocupa a nossa cidade, fez uma vítima fatal no país até o momento. A febre amarela, que mobilizou intensa campanha de vacinação e alarmou a população, provocou, no total, a morte de seis pessoas no Estado do Rio Grande do Sul. O crack mata, por dia, seis pessoas, no nosso Estado, sendo que a maior parte delas morre em decorrência da violência que envolve o uso da droga.

Como chegamos a esse ponto? O que houve para que essa pedra maldita se alastrasse com tanta avidez, destruindo tantas famílias?

Quando José Saramago recebeu o Premio Nobel de Literatura, em 1998, no mesmo dia se completavam os 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos. No discurso proferido pelo escritor português ao receber o Prêmio, creio que há um pouco da resposta para esse questionamento tão inquietante, por isso peço vênia para, com as palavras de Saramago, tentar elucidar essa inquietante questão. Disse ele na ocasião:


Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrênica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.

Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.


Pois eu vos concito, senhoras e senhores, a reivindicar os vossos deveres de cidadãos e aderir ao projeto que hoje lhes é proposto, a fim de ver transformada a realidade. Vamos tomar em nossas mãos o destino da nossa cidade, e mudar o rumo de São Gabriel, para ver a nossa juventude livre das drogas, próxima da cultura e, sobretudo, afastada da criminalidade e da exclusão social. Para tanto, o trabalho é longo, talvez até utópico. Mas como já disse Eduardo Galeano, A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

E a nossa caminhada tem sido muito profícua.


A criação da ‘Força-Tarefa’, que contou com a atuação exemplar da Polícia Civil e Brigada Militar de São Gabriel, demonstra que o eixo da repressão ao narcotráfico dará grande impulso às demais etapas do projeto ‘SÃO GABRIEL CONTRA O CRIME’. Mas não é só isso. Há a necessidade do efetivo engajamento da comunidade para que se atinjam as causas do problema da drogadição, caso contrário o traficante preso logo é substituído por outro, que vem suprir a demanda.


Por isso, é tão importante pensar em ações para prevenção e tratamento, com ações articuladas entre vários setores e níveis de governo e da sociedade – como são exemplos o projeto de inclusão social POSSIBILITANDO A CIDADANIA, que busca a inclusão social de jovens de baixa renda, e também o novo projeto desenvolvido pela Escola de Futebol Cruzeiro, que, ao firmar um termo de parceria com o Ministério Público, oferecerá, a partir do mês de agosto, sessenta vagas para crianças e adolescentes em situação de risco, a fim de resgatar esses jovens da vulnerabilidade social.

Estes são apenas exemplos de trabalhos que já estão sendo desenvolvidos por cidadãos que reivindicaram seus deveres, e estão caminhando em direção ao horizonte. Vamos nos unir para essa caminhada que há de ser longa – mas tenho a convicção de que este evento, com a presença de todos os senhores, que desde já eu agradeço, é o primeiro passo.

Para encerrar, valho-me novamente da poesia de Maiakóviski, convidando a todos os senhores para essa luta:

Por enquanto
há escória
de sobra.
0 tempo é escasso -
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.

(discurso proferido na abertura do evento, pela Promotora de Justiça Ivana Machado Battaglin)











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